Jornal Evangélico Luterano

Ano 2019 | número 827

Quinta-feira, 28 de Março de 2024

Porto Alegre / RS - 10:10

Unidade

Deixo com vocês a minha paz Viver a fé nas três Ordens da Criação

Herdamos da Reforma a concepção de Lutero sobre as Ordens da organização humana e social. Ele defendeu que Deus está presente e interfere na sua Criação e na organização da vida humana no âmbito da Economia, da Política e da Igreja. Lutero compreendeu que filhas e filhos de Deus são chamados para participar da sua Missão de transformar, proteger e salvar a vida a partir destas três Ordens.

Lutero baseou-se em um antigo conceito grego das ordens essenciais da sociedade. A economia era definida como a base do sustento da vida humana. Essa era a ordem da casa, da oikos, a base e o espaço da produção de alimentos e bens, desenvolvida por parentes e empregados por meio do cultivo, da criação de animais e propriedades.

A compreensão de política da época referiase às organizações humanas públicas desenvolvidas nas pequenas cidades. Era a ordem da polis, de onde veio o conceito de Política, por isso Política tem a ver com a organização pública e individual, realizada para proteger, organizar e garantir convívio humano justo.

Mesmo pecadores e pecadoras, dependentes de perdão e transformações diárias, podemos romper o silêncio e falar sobre o amor, a salvação e a vontade de Deus por meio de ações e envolvimento nas Ordens do mundo.

Com a formação das Comunidades Cristãs, surgiram a ordem, o espaço e meio de Proclamar o Evangelho, interpretar a Palavra de Deus, Administrar os Sacramentos, ensinar, sustentar e articular valores essenciais e absolutos da vida humana e da comunhão das pessoas umas com as outras e com Deus, a Igreja.

O Tema do Ano resgatou essa visão de Lutero sobre a atuação de Deus na história, na sua Criação e na organização humana. A proposta veio para um tempo de crise política, econômica e social, causou surpresas e interpretações contraditórias. O Tema do Ano tornou-se polêmico. Muitas pessoas não compreenderam a sua dimensão teológica, profética e sacerdotal, certamente devido à descontinuação na história dos conceitos Economia, Política e Igreja. Para outras, veio a ser uma oportunidade para manifestar posicionamentos contrários aos conteúdos de fé da Reforma, de Lutero e a visão que Igreja deve passar ao largo da Economia e da Política.

A novidade permitiu concluir que está vivo o posicionamento que defende o afastamento de Deus e da sua Igreja da ordem pública, da Economia e da organização humana. Tornou público o constrangimento de quem se reúne em Comunidades Cristãs para viver a fé em Jesus e falar, Proclamar o Evangelho e a vontade amorosa de Deus. A situação revelou uma forma incipiente de defender o silêncio da Igreja de Cristo na Criação e no mundo.

Apesar das polêmicas, incompreensões e contradições, o Tema do Ano cumpre o objetivo de trazer para hoje, para os novos 500 anos, a concepção de Lutero sobre a ação e a presença de Deus na realidade humana. Chama as Comunidades da IECLB para falar sobre a presença de Deus no mundo, a Missão de Deus em relações humanas de produção do sustento e a distribuição justa dos meios de vida, nas relações políticas humanas que devem promover proteção social e convivência justa. Por meio da Igreja, devem revelar e proclamar a ação salvadora de Deus, a sua vontade, que torna real, pelo serviço de amor, oração, louvor e compromissos, verdadeiros sinais de graça e da paz, de comunhão e da plenitude da vida, a vida gostosa de viver.

Está colocado o desafio às Comunidades, às lideranças, aos Ministros e às Ministras do labor teológico Catequético, Diaconal, Missionário e Pastoral na IECLB, de apontar para a presença e a Missão de Deus no mundo. A partir da fé, escolher o caminho que direciona para a criação de dignidade, segurança, convívio justo, espaços para a vivência da paz, doada pelo Senhor da Igreja Jesus Cristo. Deixo com vocês a paz, a minha paz lhes dou (Jo 14.27a).

Testemunhamos que Cristo está conosco (Mt 28.20). A sua paz está presente na nossa vida e na nossa realidade, na Economia, na Política e na Igreja, dádivas de Deus, não ainda completa, mas em pedacinhos, tal como um pão nosso de cada dia, que Cristo dá. O Pastor Dietrich Bonhoeffer, preso durante a Segunda Guerra Mundial e assassinado ao final dela, escreveu: ‘Vocês não têm a sua fé de uma vez por todas. A sua fé quer ser conquistada amanhã e depois de amanhã, todo dia de novo’. Também assim com a paz. Precisamos dar passos em caminhos que nos direcionem todos os dias para a paz e nos coloquem em comunhão com Deus e com a sua Missão no mundo.

Os discípulos, as seguidoras e os seguidores de Jesus tinham muitas dúvidas sobre a ação salvadora de Deus, sobre a comunhão com Ele e a sua presença no mundo. Também eles e elas não conheciam a dimensão completa da paz. Naquele tempo, conforme estudos especializados, como a pesquisa do P. Dr. Emílio Voigt, em seu livro Contexto e Surgimento do Movimento de Jesus, a população vivia em estado de angústia e insegurança. As pessoas não conheciam a paz de Deus. A situação dos agricultores, pescadores, diaristas, escravos, meeiros estava sob o comando do Império, que regia uma sociedade violenta, hierárquica e tumultuada, na qual pessoas, famílias e tribos viviam ameaçadas, sem garantia de sustento, em meio a doenças e adaptadas à organização humana injusta. Viviam com medo, sem sentido nem esperança.

Naquele contexto, Jesus veio trazer a salvação e a paz, aquela que conhecemos em pedacinhos e maior que o nosso entendimento. Jesus veio revelar a presença do Deus Pai e do Espírito Santo na realidade humana, a Palavra se traduziu em presença real e humana de Deus na Economia, na Política e na Igreja.

O nosso comportamento, somado a gestos e ações, escolhas e posicionamentos oriundos do Evangelho, nos colocam em oposição aos que querem silenciar as pessoas cristãs e a Igreja de Jesus Cristo.

Em nosso tempo, a Igreja é chamada a buscar e semear a paz, para participar em comunhão com Deus da sua Missão no mundo. Cremos que podemos viver e semear a paz de Deus e falar sobre a sua vontade, a sua justiça e salvação em todas as dimensões humanas e nas três Ordens fundamentais do mundo. Precisamos reconhecer que, na ausência de Deus, da sua salvação, sem o alimento diário da fé, sem a paz de Cristo, não promovemos nem criamos os meios essenciais de vida.

Envoltos pela paz, mesmo sem estar completamente com ela, vivemos em meio às forças da morte, das guerras, dos atos da violência alheia e própria. Graças a Deus, isso é possível, porque Ele está conosco. Nada nos afasta do seu amor (Rm 8.38). Mesmo pecadores e pecadoras, dependentes de perdão e transformações diárias, podemos romper o silêncio e falar sobre o amor, a salvação e a vontade de Deus por meio de ações e envolvimento nas Ordens do mundo.

Sempre foi mais fácil apontar ou descrever o que é negativo ou denunciar os erros, mas o momento exige mais refl exões sobre o buraco que estamos cavando para enterrar os outros e a nós mesmos. Estamos ensaiando um velório, sem esperança, sem vida. Em nossas casas, não há paz. A família está desestruturada e tornou-se espaço para a violência. As escolas e a educação para todas as pessoas estão comprometidas e não respondem aos seus desafi os. A Política não serve, não protege, não organiza. A Economia promove a acumulação e não a distribuição e o sustento.

Entre outras forças do mal, vale lembrar a destruição do meio ambiente, da Criação, que aumenta o velório e o buraco dos mortos. Há muita confusão entre nós. As Igrejas e as Comunidades Cristãs estão se esvaziando, umas de participantes e outras de legitimidade, porque cada um quer seguir a sua doutrina e ouvir discursos que abonem os seus pecados. Dizem ‘não’ para o Evangelho. O apóstolo Paulo, em seu tempo, já alertava Timóteo: Vai chegar o tempo em que as pessoas não vão dar atenção ao verdadeiro ensinamento, mas seguirão os seus próprios desejos. Arranjarão para si mesmas uma porção de mestres, que vão dizer o que elas querem ouvir (2Tm 4.3).

Nós podemos nos unir a muitos outros e participar dos sinais da paz de Cristo e da presença de Deus no mundo. Grandes projetos facilitariam o nosso envolvimento regido pela fé. Sem eles e enfraquecidos, necessitamos de ajuda e coragem para fazer novas escolhas.

O povo de Deus no deserto vivia em uma grande crise. Uns queriam voltar para o Egito, outros questionavam o caminho para a nova terra. Entre eles, estavam aqueles e aquelas que optaram em substituir Deus. Construíram o bezerro de ouro. Naquele contexto, Moisés foi ao encontro de Deus e trouxe para o povo em conflito e dividido uma proposta simples e efi caz, que interferiu de forma transformadora no contexto do êxodo do povo e no caminho rumo à nova terra. Os Mandamentos de Deus foram proclamados.

Sem grandes projetos humanos que garantam o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14.6), o Tema do Ano nos remete aos Dez Mandamentos: participar da Missão de Deus nas três Ordens da vida humana, orientados pelos Mandamentos, em comunhão e sob a graça renovadora de Deus.

Honrar e temer a Deus. Dar a Deus o que é de Deus. Não usar Deus para justificar nossos erros e nossos sonhos que atravessam a vida dos outros. Santifi car a vida com o descanso e, neste dia, Proclamar o Evangelho, fortalecer a comunhão uns com os outros e com Deus. Respeitar as pessoas que sempre nos cuidaram. Honrar o nosso pai e a nossa mãe e ser uma mãe ou um pai que cuida da vida. Não furtar. Ser honesto, cultivar a própria dignidade e a do outro. Amar a vida e não matar. Não adulterar as coisas que Deus criou e fez para o bem e a liberdade. Parar de perseguir e odiar as outras pessoas, de elegê-las como inimigas. Cuidar bem de tudo que veio para você das mãos de Deus e não cobiçar. Os Mandamentos de Deus sinalizam o caminho e promovem parcerias com as ações de paz.

O nosso comportamento, somado a pequenos gestos e ações, escolhas e posicionamentos oriundos do Evangelho, nos colocam em oposição aos que querem silenciar as pessoas cristãs e a Igreja de Jesus Cristo. Novamente estamos em um momento histórico em que as pessoas procuram salvar a si mesmas, legitimando propostas econômicas, políticas e de organização social perigosas.

O Tema do Ano nos depara com a presença de Deus nas três Ordens da Criação, na Economia, na Política e na Igreja. Desde o Batismo, somos sacerdotes e sacerdotisas de Deus no mundo, pedras vivas. Nascemos na Criação de Deus e nela somos resgatados, salvos e transformados em pessoas humanas, preparadas para participar na sagrada Missão transformadora de Deus em constante movimento, que escapa do nosso controle e nos alimenta com pequenos pratos do grande banquete que virá (Is 25.6-9). 

Pastor Guilherme Lieven
Pastor Sinodal do Sínodo Vale do Itajaí

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