Jornal Evangélico Luterano

Ano 2017 | número 809

Sexta-feira, 29 de Março de 2024

Porto Alegre / RS - 10:57

Unidade

Série Especial Lutero - Reforma: 500 anos

Experiência pessoal

Gostaria de compartilhar que apresento essas reflexões a partir da minha experiência pastoral por 17 anos em Comunidades da IECLB e por outros 14 anos como Pastor em Havana, em Cuba, em São José, na Costa Rica, e no Conselho Latino-Americano de Igrejas (Clai), em Quito, no Equador.

A capacidade de ouvir é que possibilita o aprendizado. Saber escutar torna a pessoa sensível e assim conseguirá contextualizar o Evangelho. Somente quem se dispõe ao aprendizado é quem foi realmente chamado por Deus.

O Ministério é um chamado

Desenvolver-se no Ministério Eclesial no contexto latino-americano é uma vocação. Sentir-se vocacionado significa sentir o chamado de Deus e o chamado é para servir! Esse chamado não vem de dentro da pessoa, mas vem de Jesus (Mt 4.19, Mc 2.14 e Mc 3.13). É Ele quem chama e quer pessoas trabalhando intensivamente na edificação de sinais do seu Reino neste mundo (Mt 28.18-20).

Para responder adequadamente a esse chamado de Jesus, é preciso preparação. Essa preparação é uma tarefa que Jesus nos deixou junto com o Batismo: batizar e ensinar. Como Igreja Luterana, enfatizamos que o Batismo dá acesso direto a Deus. Não precisamos de Ministros ou Ministras nem mesmo da instituição Igreja para ter acesso a Deus. O Batismo nos oferece acesso direto a Deus, por intermédio de Jesus Cristo. Para a Igreja, foi dada a tarefa de preparar as pessoas para que elas possam desenvolver o Sacerdócio Geral de todas as pessoas batizadas. A Comunidade deve preparar as pessoas para adorar a Deus e servir às pessoas.

No entanto, algumas pessoas na Comunidade são chamadas por Deus para um serviço especial. Essas pessoas são os Ministros e as Ministras. Elas devem ser preparadas com mais intensidade, de forma especial em uma Faculdade de Teologia. Na Formação Teológica, aprende-se a levar muito a sério o conteúdo do Evangelho que se vai anunciar e a necessidade de dar atenção ao contexto em que esse Evangelho será anunciado.

A Palavra de Deus quer sempre se encarnar na realidade onde ela é anunciada, por isso, para ser um bom Pregador, uma boa Pregadora, é preciso ser um bom ouvidor, uma boa ouvidora. A capacidade de ouvir é que possibilita o aprendizado. Saber escutar torna a pesoa sensível e assim conseguirá contextualizar o Evangelho. Desta forma, responder ao chamado de Deus é um constante aprendizado. Somente quem se dispõe ao aprendizado é quem foi realmente chamado por Deus.

O centro do Ministério

Lucas Cranach foi chamado o ‘Pintor da Reforma’. Um dos seus quadros apresenta Lutero com uma mão sobre a Bíblia, mostrando que a pregação deve basear-se sempre na Palavra de Deus. Entretanto, antes de chegar à Comunidade (que está formada por pessoas de todas as idades), a pregação deve promover a Jesus, o Cristo crucificado. A pregação deve fazer a Comunidade olhar para o crucificado, não para o Pregador, para a Pregadora.

Na Igreja Luterana, Jesus é o filtro pelo qual deve passar a pregação da Palavra de Deus. Não basta dizer que determinada Palavra está escrita na Bíblia. Como luteranos e luteranas, devemos nos perguntar: Essa Palavra – que está escrita na Bíblia – promove a Jesus Cristo ou não? Para os luteranos e as luteranas, somente o que promove a Cristo pode ser considerado Palavra de Deus e o que promove a Cristo é o Evangelho do amor, da acolhida, da inclusão.

O compromisso maior de todo Ministério na Igreja é o serviço a Jesus Cristo e a fidelidade ao seu Evangelho. A pessoa que relativiza esse compromisso, por medo ou por conveniência, deveria ficar em silêncio ou fazer outra coisa na vida (Lutero).

As surpresas de Deus

Todo aprendizado exige paciência e disposição para se deixar transformar. Um colega Pastor da IECLB relatou a sua experiência:

‘No meu Ministério Pastoral, o trabalho e a solidariedade com as famílias de Pessoas com Deficiência sempre me desafiaram muito. Apesar de julgar esse trabalho importante, eu não tinha nenhuma formação nesse sentido. Mesmo assim, começamos a reunir, no Salão da Comunidade, as Pessoas com Deficiência e alguns dos seus familiares. Certo dia, a mãe de um menino de 16 anos, que tinha Síndrome de Down, me perguntou se o menino (o chamaremos aqui de Valmir) podia participar do Ensino Confirmatório e ser Confirmado. Eu disse que pessoalmente não via nenhum impedimento, mas deveria levar o assunto para o Presbitério. Conversei com o Presbitério e aceitei o desafio.

Depois de um mês, me parecia que o Valmir não aprendia nada. Ele gostava da convivência com os colegas. Jogava futebol com eles. Durante as aulas de Ensino Confirmatório, ele sempre demandou mais atenção que todos os outros. Foi um tempo muito desgastante para mim. O Ensino Confirmatório era semanal e, durante dois anos, sempre tive que preparar dois tipos de material: um material para a maioria dos Confirmandos e outro material para o Valmir. Quando contava histórias bíblicas, por exemplo, na maioria das vezes, eu levava imagens ou desenhos para o Valmir pintar. No dia em que falamos sobre a Santa Ceia, levei uma cópia, em formato A3, do quadro da Santa Ceia, de Leonardo da Vinci. Enquanto eu trabalhava com os outros confirmandos, o Valmir ficava pintando. Depois do Ensino Confirmatório, o Valmir queria levar o desenho e terminar de pintá-lo em casa.

A Comunidade exigia que, antes da Confirmação, acontecesse o Exame Oral dos Confirmandos no Culto. Esse era o momento de maior tensão para eles. Para aliviar essa tensão, combinei com os Confirmandos uma lista de perguntas que eu faria durante o Exame no Culto e deveria levantar a mão quem soubesse a resposta. Também combinamos que eu só pediria a resposta para quem tivesse levantado a mão. No dia do Exame, perguntei sobre os livros da Bíblia, sobre a história da Reforma, os Mandamentos e os Sacramentos. Uma das perguntas foi: O que é Santa Ceia? Muitos levantaram a mão... Nessa pergunta, o Valmir também levantou a mão. A resposta dos Confirmandos veio em coro, mostrando que haviam memorizado essa parte do Catecismo, que dizia: ‘É o verdadeiro corpo e sangue do nosso Senhor Jesus Cristo para ser comido e bebido por nós, cristãos, sob o pão e o vinho. Este Sacramento foi instituído pelo próprio Cristo’. O Valmir continuava com a mão levantada... Eu não queria que os colegas rissem dele, por isso fiquei disfarçando, dizendo que já tínhamos uma boa resposta dos Confirmandos. A mão do Valmir permanecia levantada. Não teve outro jeito e perguntei: ‘Então, Valmir, o que é Santa Ceia?’, ao que ele se levantou, mostrou a todos a cópia colorida do quadro da Santa Ceia de Leonardo da Vinci e disse: ‘Santa Ceia: Jesus faz festa para Valmir!’. Por um instante, a Comunidade ficou em silêncio, até que alguém rompeu esse silêncio, puxando aplausos para o Valmir’.

Jesus é o fi ltro pelo qual deve passar a pregação da Palavra de Deus. Então, essa Palavra – que está escrita na Bíblia – promove a Jesus Cristo ou não? O que promove a Cristo é o Evangelho do amor, da acolhida, da inclusão.

Como cativar mais os membros para o serviço na Igreja?

Compartilho alguns apontamentos que me ajudam a refletir sobre essa pergunta:

- a Comunidade deve ser sempre um espaço inclusivo. Não basta abrir somente as portas. É preciso desarmar preconceitos! Toda pessoa que se sentir acolhida se oferece espontaneamente para ajudar;

- dá mais resultado trabalhar em pequenos grupos. Grupos necessitam de lideranças, que precisam ser preparadas, pois a diversidade desafia a comunhão, o amor e a tolerância diante das diferenças de opinião;

- na preparação das lideranças, é necessário ter objetivos missionários. Esses objetivos missionários ficam mais claros quando a Comunidade se pergunta: Para que Deus nos chamou? Qual é a nossa tarefa nesse lugar e ao lado das pessoas com as quais convivemos? O que Deus quer realizar aqui, por nosso intermédio? Devemos sempre lembrar que os Evangelhos não terminam na adoração ao Jesus ressuscitado, mas com o envio missionário dos discípulos. A Comunidade que sabe servir vai conseguir membros novos;

- o espírito ecumênico é fundamental em dois sentidos: dentro da IECLB, para com as linhas teológicas, e também fora da IECLB, em relação a outras Igrejas e religiões. Nos dois níveis, o critério fundamental para a vivência ecumênica é a promoção de Jesus, que deseja vida em abundância para todas as pessoas (Jo 10.10). Ali onde se promove o bemviver, a justiça, a dignidade do ser humano e o respeito à Criação de Deus, ali é também o nosso lugar. 

P. Nilton Giese, Ministro na Comunidade em Belo Horizonte/MG

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